O mais antigo disco musical adventista conhecido é de música negra
Texto e imagens por: Michael W. Campbell
Tradução por: Jônathas S. Luz
Publicada originalmente em 02 de Junho de 2021 na Spectrum Magazine (Clique aqui para ler a original)
A descoberta de um antigo disco[1] da Columbia Records, datado de pelo menos 1926 e contendo uma faixa de cada lado —“On Jordan’s stormy baks we stand” e “Take thy burden to the Lord”—, foi compartilhada numa recente conferência acadêmica sobre “Música e Adoração” no Seminário Teológico Adventista do Sétimo dia da Universidade Andrews.
O disco é do “Seventh Day Adventist Choir”, um coral negro de Atlanta, Georgia, e contém também a oração de alguém creditado como Irmão Hubbard. Durante os últimos vinte anos, esse disco esteve guardado num espaço climatizado no laboratório de conservação de áudio da Universidade Baylor. Especialistas acreditam que essa é a gravação musical adventista mais antiga de qualquer tipo existente, abrindo uma janela histórica para o passado musical da Igreja Adventista do Sétimo Dia. O painel da conferência contou com uma ampla gama de experts de diferentes áreas ponderando sobre a importância da gravação. “Cada um de nós se conecta com música de formas diferentes,” observou o Dr. Jason Max Ferdinand, chefe do departamento de música e diretor dos Aeolians da Universidade de Oakwood. Ele acrescentou: “eu acho que será lindo se nós colaborarmos uns com os outros para enxergar como esse disco fez as pessoas se sentirem na época e como ele veio a existir.”Benjamin Baker, doutor e professor sênior de Língua Inglesa na Universidade de Maryland, colocou o disco dentro do contexto histórico do adventismo e da Grande Migração dos negros estadunidenses do século 20. Esse foi um período no qual o movimento populacional se direcionou para os centros urbanos no Sul, como Atlanta. Ao mesmo tempo, adventistas pretos viviam, numa sociedade segregada, como “cidadãos de segunda classe” do Adventismo. Nos anos 1920, Baker recontou, G. E. Peters organizou uma reunião evangelística em Atlanta que resultou na Berean Church, a primeira igreja adventista negra na cidade, e, provavelmente, a congregação de onde os participantes da gravação desse disco vieram. Dr. Baker compartilhou fotografias de adventistas pretos, incluindo uma em particular, da Conferência Geral de 1926, na qual estava o pai de outra das participantes do painel, a Dra. Eurydice Osterman.
David A. Williams, um professor assistente no Seminário
Teológico Adventista do Sétimo Dia e diretor da associação de música e adoração,
compartilhou sua experiência e conhecimento em história litúrgica e prática de
culto. Ele apontou que, enquanto muito já foi dito sobre uniformidade na experiência
de louvor adventista, o disco apresenta outra perspectiva. “Eu considero que o
que estou vendo aqui são algumas diferenças regionais e culturais que impactam
a prática litúrgica [adventista]”, ele disse. Williams continuou dizendo que mesmo
dentro na comunidade negra adventista existe diversidade, e o hino “Take thy
burden to the Lord” não existe em nenhum hinário adventista existente. Em
contrapartida, “On Jordan’s stormy banks” é um spiritual clássico, mas não
aparece com a familiar canção “Promised Land”, versão que está no hinário de 1985 (o hinário
adventista atual nos Estados Unidos). Era originalmente uma melodia folk, mas tocada
em tom menor, não em tom maior (como aparece no hinário atual). As versões dos
hinos nesse disco não soam em nada como os hinos conhecidos mencionados acima.
Dr. Nicholas Zork, ministro de louvor e artes na igreja
Advent Hope em Manhattan e professor adjunto do departamento de música da Universidade
Andrews, questionou se realmente existe apenas um tipo “tradicional” de música
adventista. Ele apontou como as tradições ocidentais brancas de música foram
levantadas como prescritivas, erroneamente privilegiando vozes brancas e
marginalizando pessoas de outras etnias. Ele destaca que é significativo que
ele “literalmente nunca ouviu um argumento de que apenas um estilo é santo e
que esse estilo ‘santo’ não fosse outra coisa a não ser música ocidental europeia”.
Zork continua: “com a descoberta desse disco, eu só acho maravilhoso que
tenhamos mais evidências positivas, diretas e inspiradoras de uma história
diversificada. Espero que essa descoberta nos ajude a focar e refratar a
maneira que vemos a prática de louvor adventista dos nossos antepassados, e nos
encoraje a contar uma história mais completa de quem nós somos, e amplificar e
centralizar o valor das vozes dos nossos irmãos e irmãs em Cristo que são pretos
e têm sido constantemente marginalizados na nossa tradição. Esse disco representa uma parte
inspiradora e essencial de quem nós fomos, quem nós somos e, eu oro, quem nós
podemos esperar ser.”
A Dra. Eurydice Osterman, professora emérita de música na Universidade de Oakwood, observou que essa não apenas é a primeira e mais antiga gravação de um coral Adventista do Sétimo Dia, mas é surpreendente que eles, como afro-americanos, tivessem acesso à tecnologia para gravá-lo. Essas faixas tinham uma função dupla de afirmar sua fé e expressar emocionalmente suas experiências humanas na luta por liberdade plena. “Cantar é o respiro da alma”, observação de Osterman que ela disse ecoar um provérbio africano que diz que o espírito não vai descer sem música. Ela observou que a forma tradicional de louvor com “chamado e resposta”[2] — típica do louvor das congregações Afro-americanas — não está exemplificado nesse disco em particular porque “nenhuma questão é levantada” ou mesmo “alguma declaração que requer uma resposta”. Porém, ainda assim, exemplifica a proeminência da oração no louvor da comunidade preta. “Orar, assim como cantar, geralmente eram combinados com outros elementos como murmúrios, gemidos e outras expressões.”[3] O que torna essas faixas particularmente notáveis, Osterman acrescenta, é que eles são versões a capela das músicas — característica tradicional dos negro spirituals.
Dra. Jeryl Cunningham-Fleming, uma solista proeminente e diretora
adjunta da American Spiritual Ensemble, disse que escutar essas canções, de
diversas formas, levou-a de volta à sua infância, quando ela viajava com sua família
para a zona rural da Georgia: “eu me lembro de sentar na igreja do interior
ouvindo a congregação cantar. O som que eu ouvi nessas gravações é como e o que
eles cantavam — e cantam até hoje.” Sendo cantora, ela notou que a harmonia não
era baseada em nenhum modelo eurocêntrico que conhecemos, como a tríade. “Foi
ao mesmo tempo estranho e tranquilizador ouvir como as pessoas cantavam na
igreja.” Ela disse ainda que esse disco nos dá “prova” de que esse “estilo de
canto” era de fato “usado na Igreja Adventista do Sétimo Dia”. A doutora ainda
apontou que “o fato de que o grupo manteve sua identidade cultural e cantou o
que era familiar a eles” demonstra como eles “eram extremamente sinceros em seu
louvor”. As seis a oito pessoas que se estima que participaram dessa gravação
estavam tendo uma chance de “gravar algo evangelístico e natural”. Esse
registro ainda nos mostra como Deus “aceita o sincero louvor de todo coração
dos Seus filhos e ama a diversidade”.
Todos os participantes do painel afirmaram que esse achado é muito rico e mais esforço precisa ser feito para que esses hinos e essa incrível diversidade da nossa herança musical adventista não seja perdida. “Na minha perspectiva”, observou Williams, “esse é um disco bem adventista. ‘Jordan’s stormy banks’ é um hino sobre a segunda vinda de Cristo. ‘Take my burdens to the Lord’ é sobre o Evangelho. Essas são duas partes essenciais da identidade adventista que compartilhamos.”
Ouça as canções abaixo:
Notas de tradução:
[1] A matéria original chama o disco de "disco 'viva-tonal' 78 rpm". "Viva-tonal" era como a Columbia Records chamava seu jeito de gravar discos. Naquele tempo eles gravavam direto no vinil (veja exemplo atual de como isso pode ser feito aqui). 78 rpm significa que é um vinil de 78 rotações. O mais comum para tempos posteriores eram vinis de 38 rotações. [Créditos ao Leonardo Gonçalves e ao Estêvão Queiroga por me ajudarem nessa aqui].
[2] Call and response se refere ao costume nas igrejas negras
estadunidenses onde o ministro de louvor sugere ou pede para a congregação
repetir o que ele canta ou fala. Uma repetição comum de dinâmica entre o
solista/ministro e a congregação/coral (não é exatamente a mesma coisa que leitura responsiva).
[3] Em
inglês, o que foi traduzido como murmúrio é chamado de humming. Costume que
reproduzimos aqui também, de cantar com a boca fechada produzindo o som de “hum”.
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