Não sei bem se queria falar sobre isso pt. 3 (Adventismo e tretas políticas)

Para ler ouvindo: Ideais (Bendita Fé) | Out 44 

Imagem meramente ilustrativa. Créditos: Grife "Na Contramão"

Eu sou adventista do sétimo dia.
Eu dificilmente faço textos no blog direcionados especificamente ao público adventista, pois existem pessoas de diversas denominações e mesmo sem religião que leem meus textos. Geralmente falo de coisas mais gerais da relação do cristianismo com a sociedade e com a Bíblia, além de questões pessoais. Mas sinto que preciso fazer isso.
Eu vi um vídeo interessante (link acima no "para ler ouvindo") que, juntamente com algumas coisas que li para fazer meu TCC, me inspirou a fazer este texto. Eu ainda queria fazer um sobre as tretas políticas internas do Adventismo a respeito do voto de conformidade da Associação Geral da Igreja. Mas ainda não é sobre isso que eu quero falar. Eu quero falar de política brasileira. Obviamente, este será um textão. E, mais uma vez, não sei bem se queria falar sobre isso.

Crenças básicas do adventismo para compreender a discussão

O adventismo não possui um credo fechado e existe um grupo de pesquisadores da Bíblia que está constantemente estudando a palavra para encontrarmos sempre guia nela. Apesar disso, possuímos um livro, o "Nisto Cremos" com nossas crenças fundamentais que são revisadas na Conferência Geral a cada 5 anos, além de declarações oficiais sobre assuntos mais específicos relacionados à nossa sociedade.
O "Nisto Cremos" deixa claro que o adventismo possui a Bíblia como única regra de fé e prática, crendo nela como palavra de Deus dita através das palavras de seres humanos inspirados, usando a linguagem desses seres humanos, condicionada à época e cultura em que estes escreveram os livros. Cremos também na manifestação do Espírito de Profecia na igreja e que ele se manifestou através dos escritos de Ellen White, que, de acordo com a mesma, não possuem a mesma autoridade da Bíblia, mas é também inspirado por Deus de forma especial para instrução da Igreja.
O adventismo crê também no casamento como uma instituição sagrada estabelecida no Éden antes do pecado, sendo que o homem e a mulher juntos (incluindo a união física), tornando-se uma só carne, são a expressão máxima da Imagem de Deus na humanidade.
Dentro disso, é importante destacar também que cremos na Revelação de Deus através da história e a história é uma parceira constante na maneira como a própria instituição adventista surgiu, foi construída e interpreta diversas profecias bíblicas. Embora não nos sirva de regra como a Bíblia, a história da igreja cristã protestante e dos pioneiros do adventismo, os primeiros de nós, é importantíssima para entendermos como chegamos até aqui e quem somos nós.

A Igreja e a Política

A igreja Adventista se declara oficialmente a-partidária, embora não omissa aos direitos e deveres do cidadão e adepta à separação entre Igreja e Estado que garanta a liberdade de expressão religiosa - leia a declaração oficial a respeito dos adventistas e a política aqui.
E apesar de dizer que a instituição em si orienta os membros a " votem de acordo com a consciência individual, que escolham candidatos que defendam os princípios da qualidade de vida e da saúde, do modelo bíblico de família, dos valores éticos e morais, da liberdade religiosa e da separação entre Igreja e Estado", ela determina que qualquer um que fale em nome da igreja não está autorizado a "escrever, postar e falar em nome dos adventistas sobre temas políticos, e devem ter constante cuidado para não dar declarações que demonstrem preferências por ideologias, candidatos ou partidos". Por isso quero deixar claro que este texto não é em nome da Igreja Adventista e não é uma apologia a nenhum político específico. Nem mesmo é uma postagem contra nenhum político específico - embora talvez pareça que sim. Esta é uma postagem de protesto em relação às motivações de diversos membros da Igreja. Minha intenção aqui é resgatar um pouco da nossa história e identidade e um pouco da história bíblica para entender por que diversas motivações para a escolha de candidatos de diversos irmãos de denominação me parecem equivocadas.

As motivações dos adventistas

As declarações que se destacam envolvem salvar o país do comunismo ateísta, tornar o Brasil um país cristão de novo, salvar a família tradicional brasileira, proteger a educação secular das nossas crianças de doutrinações marxistas que sexualizam e secularizam. O marxismo e o comunismo vão acabar com a nossa religião no país. Precisamos combater violência com violência. O cristão - que seria o sinônimo do 'cidadão de bem' deveria ser armado para se proteger. Eu tenho lido essas declarações vindas de adventistas em redes sociais e mesmo do púlpito da igreja.

As razões pelas quais as pessoas possuem esses pontos de vista são inúmeras, mas vou apontar as principais. Uma das mais fortes razões é que existe uma resistência à esquerda num geral dentro de grande parte das religiões protestantes, não só no Brasil, mas como nos Estados Unidos. Isso provém do fato de que todo o espectro complexo do pensamento de esquerda é sempre relacionado pelo senso comum com o comunismo, que por sua vez é baseado nos ideais marxistas. A famosa declaração de Marx de que "a religião é o ópio do povo" é uma das principais razões: no contexto dessa afirmação, Marx defendia que a religião é uma construção do próprio homem, como uma ferramenta para encontrar-se, um exercício de autoconsciência. Nesse sentido, a existência da religião seria uma expressão da miséria da realidade humana e ao mesmo tempo um protesto contra essa realidade, ou seja, a religião é a maneira que as classes oprimidas encontraram de aliviar sua existência.
Este é o ponto de vista sociológico ateísta de Marx, que parecia crer que, uma vez que não houvesse mais miséria no mundo, a religião não seria mais necessária. Esse ponto de vista dele leva muitos a relacionarem Marx e suas ideias diretamente com uma posição anticristã. 
A ideia da luta de classes é também altamente criticada. Muitos desses "críticos" pensam que toda a esquerda e o comunismo pregam uma segregação de classes e uma eterna luta entre "camadas sociais" que só seria ganha com uma revolução violenta que levaria a um regime totalitário, ameaçando a democracia e institucionalizando o ateísmo, extinguindo a religião. Por isso o comunismo seria uma ameaça ao cristianismo.
Por conta dessa interpretação dos ideais marxistas muitos vão entender o Marxismo como uma ameaça à imagem de Deus como quem provê tudo à humanidade, pregando que o homem tem capacidade de conseguir seus próprios ganhos sem Ele. Dentro do adventismo especificamente, isso é visto como uma contrafação de uma das três mensagens angélicas dentro do contexto do Grande Conflito entre o bem e o mal.

Junto à essas preocupações, existe ainda a associação direta da luta de classes com a luta pelos direitos de minorias sociais (que seriam as classes oprimidas) como mulheres, negros e LGBTQ+. Lutar por direitos civis em relação à essas pessoas seria aceitar os ideais de luta de classes de Marx, além de ser conivente com uma visão não-bíblica sobre o que é a família e o papel do homem e da mulher. Cuidar das necessidades dessas minorias separadamente seria criar mais segregação ao invés de união. Mais do que isso: lutar para mudar as ideias de uma cultura machista, racista e homofóbica seria entrar em choque com princípios conservadores do cristianismo. Conservadores no sentido de não desestabilizar o sistema, deixar o sistema fluir naturalmente que, com naturalidade ele vai melhorando aos poucos. O conservadorismo combate fortemente a ideia de que existam estruturas sociais que precisem ser reconfiguradas para acabar com certas injustiças existentes no mundo. Por conta da natureza pacífica do ministério de Cristo, que, no ponto de vista conservador cristão, está preocupado apenas com a salvação das almas e não dos problemas da sociedade, muitos vão entender esse desafio ao status quo como uma rebelião declarada que iria contra os princípios do ministério de Jesus.

Em resumo, no ponto de vista da maioria das pessoas que têm expressado suas opiniões hoje, a maior ameaça que o cristianismo enfrenta atualmente no Brasil é o comunismo iminente, ateísta, anticristão e propagador de ideais satânicos que visam destruir a família tradicional instituída por Deus.

O problema com a demonização

Eu reconheço os problemas com o comunismo e as expressões da esquerda mais próximas do extremo. Assim como reconheço os problemas dos ideais marxistas em relação aos meus ideais como cristão. A questão é que a demonização completa de elementos da nossa vida cotidiana, seja de ideologias políticas, ou expressões artísticas e culturais, leva à falta de senso crítico em relação aos elementos que representam o contrário daqueles que demonizamos.
Simplificando e usando nosso exemplo: a demonização dos ideais de esquerda, leva muitos a aceitarem tudo o que vem dos ideais de direita e recusarem que podem existir ideias que precisam ser avaliadas e refletidas mesmo em ideologias de esquerda.
Assim como qualquer tipo de polarização (como a que ocorre neste momento no país), a demonização provoca falta de pensamento crítico, interpretações bíblicas deficientes, intolerância e incompreensão e perda da identidade cristã.
Para isso, vou enumerar abaixo três das razões pelas quais eu considero problemático o pensamento apontado acima.

1) A Bíblia não pode ser usada para legitimar (ou mesmo deslegitimar) completamente uma ideologia política específica

Se você acha que a Bíblia está de acordo com todas as suas ideias em relação ao funcionamento do mundo, desconfie. Se NADA no evangelho confronta a ideologia política que você escolheu, algo está errado. Para começo de conversa, tentar encaixar conceitos modernos como direita e esquerda dentro do texto bíblico é o que a teologia chama de interpretação anacrônica: você tenta colocar no texto bíblico um conceito geral que não existia na época em que ele foi escrito.
A Bíblia não confronta apenas ideais de esquerda, mas confronta também a realidade do capitalismo selvagem que aumenta a desigualdade social e condena políticas que beneficiem apenas os ricos enquanto os pobres que não possuem oportunidades permanecem na pobreza (como várias ideias da direita neoliberal por exemplo). Alguns defendem que a Bíblia é meritocrata economicamente e puxa a sardinha para o capitalismo por não defender uma luta de classes que torne Israel uma sociedade igualitária. Mas basta uma lidinha na lei de Moisés para perceber que o sistema econômico de Israel era repleto de conceitos que seriam chamados hoje por muitos como assistencialismo (como a lei de deixar a colheita que cai no chão para os pobres) ou como o conceito de reparação (como a obrigação dos donos de terras concederem condições o suficiente para que o servo liberto possa reconstruir sua vida).
Além disso, a lei a respeito do descanso da Terra, o ano Jubileu, que envolvia devolver Terras compradas às famílias que as venderam movimentava toda a economia de Israel de forma que a cada 50 anos todas as desigualdades sociais eram drasticamente diminuídas (alguns chamariam isso de reforma agrária... são conceitos próximos, mas a comparação é anacrônica).
Eu não estou tentando dizer que a Bíblia apoia algum tipo de pensamento ideológico de esquerda. Estou dizendo que, guardadas as devidas diferenças de contexto, alguns conceitos que são lidos pelos adventistas hoje como "esquerda", são muito mais antigos do que a existência da dos ideais modernos de marxismo/socialismo/comunismo.
John Piper, um consagrado teólogo cristão conservador, falando sobre questões raciais, vai comentar sobre a constante discussão a respeito da existência ou não de uma estrutura social dividida em classes e traz um ponto de vista de centro muito interessante: "não devemos ser pressionados na direção de uma mentalidade que acredite em uma coisa ou outra. Nenhum destes homens deixou de ver um pouco de verdade naquilo que o outro disse. Isso vale tanto para o nível popular quanto o mais acadêmico" (O Racismo, a Cruz e o Cristão, 2011, p. 74). Piper ainda vai destacar que o evangelho não deve ser transformado em "mais um burro de carga ideológico para ajudar a puxar o vagão do progresso social” (p. 89), pois este não pode ser encaixado plenamente em nenhuma ideologia terrena (p. 87).

2) Livre Arbítrio e a defesa do Estado Laico não combinam com defender uma nação cristã

Hoje existem basicamente duas maneiras de se pensar a laicidade do Estado: um Estado que exclui de suas decisões políticas qualquer coisa relacionada à religião, deixando todas essas questões fora de si  e um Estado que, sem tomar partido, garante a todas as religiões dentro de si o direito de liberdade de expressão religiosa.
Os dois pontos parecem incomodar o cristão adventista. A primeira ideia é ruim para o adventista pois nesse caso o Estado não pode conceder aos sabatistas concessões como fazer provas em dias diferentes do sábado. A segunda ideia incomoda muitos cristãos que acham que o Estado deveria apoiar apenas o cristianismo e demonizar, como nós costumamos fazer, as religiões pagãs.
O conceito de Estado Laico acompanha o protestantismo desde a Reforma. Os reformadores viram e sentiram na própria pele a aberração que era o Estado religioso. A perseguição, o derramamento de sangue, a intolerância institucionalizada. Um Estado que é guiado por um tipo de pensamento religioso específico é nocivo para a diversidade e mesmo para a crença na Livre Escolha dada pelo próprio Deus ao homem.
No caso dos adventistas do sétimo dia, historicamente somos defensores do Estado Laico no segundo modelo. Defendemos isso pois muitos de nós esquecemos, mas somos minoria. Guardamos o sábado e somos discriminados sistematicamente por isso em diversos níveis, pessoais, religiosos e institucionais. Sabemos que nem todas as manifestações do cristianismo na história pensam da mesma forma, e somos minoria não apenas na guarda do sábado mas em diversas outras questões teológicas, portanto, somos defensores do Estado Laico. Não apenas para garantir nosso direito de culto e liberdade de expressão religiosa, mas para garantir o direito de outros, mesmo que creiamos em coisas diametralmente opostas ao que eles creem.
Isso está expresso também na declaração oficial de tolerância da IASD: "Os cristãos têm a sua parcela de culpa pelo preconceito e desumanidade para com os seres humanos. [...] Os cristãos e todas as pessoas de boa vontade devem ir além deste conceito negativo e desenvolver simpatia por crenças ou práticas das quais não apenas diferem, mas que estão mesmo em conflito com as suas próprias" (leia na íntegra aqui).
O que acontece hoje no Brasil é que, uma grande parte dos partidos de direita conservadora defendem um país cristão, de forma que discriminam outras expressões religiosas e "comportamentos" que consideramos inadequados, de acordo com nossas crenças. Expressões como a "bancada evangélica" e declarações que impõem o Brasil como um país unicamente cristão são posições completamente inadequadas com a postura protestante e adventista do sétimo dia.

3) Assim como as leis de Deus, os reformadores protestantes e pioneiros adventistas eram ativistas em favor dos oprimidos e da vida, não conservadores do status quo

Uma parte da nossa história como adventistas que é pouco discutida são os esforços dos pioneiros para cuidar dos excluídos socialmente. Muitos relacionam ativismo apenas com esquerda e cristianismo apenas como conservador, mas a realidade é bem distante disso. A raiz da igreja Protestante, como o próprio nome diz, é uma inconformidade com o status quo. A revolução francesa só foi possível pois antes dela veio a Reforma Protestante garantindo o direito de se falar contra a instituição estabelecida. O movimento sufragista, que foi um dos princípios do movimento feminista, foi iniciado por donas de casa que queriam exercer cidadania, e um grande número delas era cristão. O movimento abolicionista dos Estados Unidos foi iniciado por cristãos que entendiam o valor da vida. O movimento de direitos civis norte americanos foi liderado por cristãos. A mensagem de Jesus é de inconformidade com o status quo, tanto do lado de Israel quanto do lado de Roma.
No adventismo não foi diferente. Vários autores e historiadores adventistas vão destacar como era evidente o engajamento dos pioneiros no abolicionismo. Zdravko Plantak (The Silent Church, p. 75) endossa que a história dos adventistas com as questões raciais acompanharam basicamente o movimento dos Estados Unidos em geral e, assim como em todo o Norte, "havia um número de pioneiros Adventistas do Sétimo dia que participaram diretamente ou indiretamente no movimento de abolição no meio do século dezenove" , além de um destaque especial ao obstinado abolicionista Joseph Bates, ele ainda cita Joshua V. Himes, Charles Fitch e George Storrs, dentre outros. Plantak (p. 82) ainda vai destacar que toda a ética do ativismo dos pioneiros e de Ellen White possuía bases arraigadas na cristologia, a crença na criação e na soteriologia.
Um dos estudos mais interessantes sobre o assunto foi desenvolvido por Samuel G. London, no livro Seventh-day Adventists and the Civil Rights Movement, onde ele discorre longamente a respeito do relacionamento da instituição adventista com as questões raciais. London vai observar que o ativismo dos White parece ser ligado diretamente à interpretação deles da aliança de Deus com o povo de Israel no Antigo Testamento e seu ativismo social andava de mãos juntos com sua forma de fazer evangelismo (2009, p. 59). A partir dessa declaração ele faz um estudo comparativo entre as declarações de Ellen White nessa época e da proeminente ativista católica Katharine Mary Drexel. Sua intenção é demonstrar que as preocupações de Ellen White em suas declarações “não eram inconsistentes com os pontos de vista liberais daquela época” , tentando demonstrar o quanto parecem injustificadas as leituras equivocadas dos escritos da pioneira que geraram o “não envolvimento e algumas vezes um claro antagonismo contra a reforma sócio econômica por parte da Igreja Adventista do Sétimo Dia durante os anos 1950 e 1960” (LONDON, 2009, p. 59). Mais do que isso, ao estudar como os White escolheram lidar com a evangelização do negro no Sul dos Estados Unidos, não deveria ser estranho ao adventista o conceito de dívida e reparação histórica.
Ciro Sepúlveda (Ellen White on the Color Line, p. 17) vai ser contundente ao declarar que inúmeras gerações se passaram desde que os pioneiros lutaram contra a cultura da escravidão e Ellen White e seus escritos continuam a ser considerados autoritativos, mas que ainda assim, algo parece ter se perdido em sua mensagem, pois a maneira com que ela é pregada no púlpito parece agora bem diferente da “abolicionista radical dos anos 1860”. Ela “soa cada vez menos como uma crítica da cultura e cada vez mais como uma defensora do status quo” (p. 17 - 18). Diante disso ele questiona: “O que aconteceu? Surgiu uma nova Ellen White no século 20? Ela é uma crítica da cultura ou uma conservadora desta?”
Sobre isso, Plantak (1998, p. 74) também vai ter sua declaração crítica: "A Igreja adventista do Sétimo dia, começou como uma minoria que foi discriminada, por isso foi muito cuidadosa para não discriminar outras minorias em sua história inicial. Mas com os desenvolvimentos da estrutura da igreja, o crescimento de sua organização e a expansão de sua membresia, e a luta do poder executivo tipicamente ligada a essas mudanças, a Igreja mudou em sua visão e tratamento de algumas minorias neste domínio."
Arthur Daniells, no livro Life Sketches of Ellen G. White, p. 473 diz: "A escravidão, o sistema de classes sociais, os preconceitos raciais injustos, a opressão dos pobres, a negligência dos desventurados - tudo isso é estabelecido como anticristão e uma séria ameaça ao bem estar da humanidade, e como males apontados por Cristo, sua igreja tem o dever de vencer."
Com todas essas declarações acho que só preciso dizer que a demonização de movimentos sociais em favor de minorias dentro do adventismo é incoerente com a nossa teologia e as nossas raízes.

4) O anticristo não é secularizado, ele é religioso

Por último, a mais alarmante das minhas observações. Os cristãos adventistas do Brasil estão com medo do comunismo ateísta tomar de nós o direito ao culto, mas dentro da nossa teologia, nós cremos firmemente que o poder da besta e do anticristo representados sobretudo em Daniel e Apocalipse é justamente um poder religioso e político, não um poder político ateísta. E isso deveria estar claro para o adventista. Claro como água.
Desde Gênesis 11, na Torre de Babel, até Daniel 3, quando Nabucodonosor estabelece um decreto que oprime não apenas os três amigos de Daniel mas também qualquer outra religião na Babilônia que não fosse a dele, e até mesmo em Apocalipse, a imagem da Babilônia e da Besta é uma imagem de intolerância à diversidade, onde a humanidade é uniformizada com a desculpa de estar "unida" em um propósito, mas esse propósito não é benéfico, pois exclui o diferente.
Há um livrinho da Casa Publicadora Brasileira muito interessante chamado "O Dia do Dragão", escrito por Clifford Goldstein. O capítulo 7 se chama "Disparates da Nova Direita". Ele vai apontar a ironia dos religiosos da Nova Direita norte-americana defenderem um retorno aos bons tempos de quando a nação americana era grande e religiosa e seguia os princípios divinos.
Assim como hoje os brasileiros de direita conservadora parecem defender um retorno aos bons tempos do Regime Militar.
Goldstein se pergunta quais princípios divinos eram esses na realidade norte-americana, se seria quando os índios foram exterminados, quando muitos cristãos eram donos de escravos, ou quando as crianças eram forçadas a trabalhar em condições desumanas em tempos de Revolução industrial.

"A 'imagem da Besta'", escreveu Ellen G. White em O Grande Conflito, "representa a forma de protestantismo apóstata que se desenvolverá quando as igrejas protestantes buscarem o auxílio do poder civil para  a imposição dos seus dogmas". Isto é exatamente o que a Nova Direita está fazendo ao atacar a separação entre Igreja e Estado. (Goldstein, p. 103).

Diante disso eu me pergunto: será que não percebemos o mesmo padrão acontecendo nessas eleições? Cristãos adventistas, com medo de uma "ditadura ateísta" que ameace a família tradicional brasileira estão partindo para o extremo de defenderem uma "ditadura religiosa" que os proteja do ateísmo. Quando na verdade, os partidos de "esquerda" do país querem apenas garantir direitos de quem pensa diferente de nós, tanto que a maior parte dos partidos que apoiaram a decisão de tirar o Enem do sábado são estes mesmos que os adventistas costumam demonizar por serem de ""esquerda"" - esquerda entre aspas mesmo, já que apesar de colocarmos tudo num pacote só, existem diversas configurações de direita e esquerda, inclusive algumas que conversam harmonicamente entre si.
Ou seja, por mais que eu defenda que as profecias podem se cumprir em cenários imprevisíveis, os sinais nela são claros a respeito do que deveríamos evitar. Ellen White vai dizer:

"É acerca da lei de Deus que virá o último e grande conflito entre Cristo e Seus anjos e Satanás e os seus, e será decisivo para todo o mundo. ... Homens em posições de responsabilidade não só desatenderão e desprezarão o sábado eles mesmos, mas da tribuna sagrada instarão com o povo para que guardem o primeiro dia da semana, alegando a tradição e o costume em favor dessa instituição de feitura humana. Apontarão para as calamidades em terra e mar - as tempestades, as inundações, os terremotos, a destruição pelo fogo - como juízos indicadores do desprazer de Deus por não ser santificado o domingo. Essas calamidades aumentarão mais e mais, uma catástrofe seguirá de perto a outra; e os que quebrantam a lei de Deus apontarão para os poucos que observam o sábado do quarto mandamento como aqueles que trazem sobre o mundo a ira. Esta falsidade é estratégia de Satanás para apanhar os incautos." Southern Watchman, 28 de junho de 1904.

Sem mais delongas, concluo este texto longo, mas ainda assim curto, pois há muito mais o que discorrer sobre esses assuntos. Que Deus nos dê sabedoria para filtrar todas as ideias e ideologias e permanecer sempre com a Bíblia como filtro, ao invés de ler o texto bíblico a partir das NOSSAS ideias e ideologias.

Feliz sábado a todos e um bom domingo de eleições amanhã.





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