Cansei de falar de racismo.
I. Questão
Pra que toda essa fala militante?
Todo esse papo de negro já tá irritante.
Não dá pra sentarmos como bons amigos e só conversar?
Tudo o que querem agora é nos separar!
Por cor. Por raça. Por sexo.
Vocês tão tornando o mundo complexo.
Vamos voltar à descomplicação
Quero de volta minha liberdade de expressão.
II. Tensão
Quando, displicentemente, digo: sou preto
Me olham como a uma ferida exposta
A casca arrancada de um machucado obsoleto
Incômoda como pergunta sem resposta
Ferida que não cicatriza, não cura
Debaixo de um curativo mal feito
Coberta antes de ser feita pura
Expõe sem amarras um grave defeito:
O incômodo que a pele exposta provoca
Quando ganha voz e se assume de si senhora.
É a consciência da pele branca que ela invoca
Revelando uma raça que não se enxergava outrora.
III. Retorno
Qual motivo do seu medo diante da fala?
Assusta ser definido só pela pele que te cobre?
Chamar de branco é como disparar uma bala
Que perfura o conforto da alvura do nobre
Cara gente branca, eu não sou racista
Desculpe se te ofende ser chamado de cor
Eu até botei amigos brancos em minha lista
Afinal, tudo o que importa é o amor
Sei bem que você já sofreu na vida
Talvez sequer goste da cor que te deram
Talvez sua pele já foi perseguida
E talvez muitas coisas já te corroeram
Talvez isso tenha sim, te afetado
Quem sou eu pra julgar quem sofreu?
Você pode ser gordo, pobre ou "viado"
Nem todos entendem o quanto doeu
Mas, amigo, isso não é uma competição
Muito menos disputa de quem sofre mais
A ideia é que na diferenciação
Juntos caminhemos em direção à paz
Mas...
IV. Ainda
Preto parado é suspeito
Preto correndo é ladrão
Preto quando não faz merda na entrada
Faz merda na saída
Se a coisa tá preta,
É serviço de preto
A ovelha negra
tem inveja branca
Nega do cabelo duro
qual o pente que te penteia?
Só o pente lá da cadeia
Cabelo ruim, piaçava
Picumã, mafuá
Tem um ninho na minha cabeça
Não sou racista, mas
Só podia ser preto
Todo dia
Todo momento
A vida toda
Sua liberdade de expressão.
V. Retaliação
Onde o amor deveria ser grande
O incômodo tem se tornado mútuo
Enquanto eu quero mover adiante
Todos querem que eu siga mudo
Mostrar poder se tornou vitimismo
Lêem "mimimi" mesmo em bons escritos.
Está em nós o dito coitadismo
Ou a ignorância que os torna restritos?
Ignorância, insensibilidade ou cegueira?
Sinceramente, não sei
Mas todo dia, leio e ouço tanta besteira
Que, sinceramente, cansei
VI. Cansaço
Cansei de falar de racismo
Quero simplesmente falar de amor
Quero curtir feliz o capitalismo
E acima de tudo, louvar meu Senhor
Cansei de pisar em ovos
Quero simplesmente falar o que sinto
Ser amigo dos velhos e novos
E falar com diferentes no mesmo recinto
Queria só ver meus filmes em paz
Escrever minhas histórias sem fim
Ser apenas um simples rapaz
Que a cor não faça diferença pra mim
VII. Superação
Mas antes que eu pudesse caminhar
Já cresci sem ver beleza em minha cor
Meu nariz grande me impediu de entrar
Meu cabelo? Oh, Deus, que horror!
Demorei demolir meus conceitos
Demorei apagar essa rima
Demorei pra rever meus defeitos
Demorei conquistar auto estima
Se pra você é questão de gosto
Pra mim é questão de me amar
Do meu gosto encontrar o oposto
Pra poder no espelho me olhar
Hoje eu gosto da cor que me cobre
Hoje gosto do escuro que sou
Hoje vejo em mim preto nobre
Veja quanto ele já superou!
VIII. Cantilena
Cansei de falar de racismo
Queria que todos fossem só nós
Sem citar, nem seguir marxismo
Que escutássemos uma só voz
Acredite, amigo branco, eu cansei
Talvez eu cansei até mais que você
Além de falar tudo o que precisei
Precisei tentar te fazer entender
Meu cansaço, porém, não desculpa
O Evangelho é pra pobres e ricos
Dos quais, todos precisam da lupa
Pra enxergar os que estão aflitos
Cansei de falar de racismo
Mas meu cansaço não é opção
Despido de todo cinismo
Falo do fundo do meu coração.
Jônathas Sant'Ana
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