Quando troquei Hogwarts pelo Unasp

Hogwarts

Hoje completou um ano que vim para o Unasp fazer a segunda etapa do processo seletivo para o curso de Teologia.
E é também uma tarde chuvosa.
As gotas de chuva batendo na janela, o barulho da chuva molhando a terra e os trovões ao longe me lembram dos meus dias de adolescente quando gostava de passar minhas tardes chuvosas lendo/assistindo Harry Potter. Combinava com o clima. Quem já leu ou assistiu entende o que estou falando.
E hoje resolvi contar como, quando e por que troquei a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts pelo Seminário Latino Americano de Teologia.

Não quero aqui entrar em detalhes sobre o mundo de Harry Potter, nem fazer juízo de valor sobre "pode ou não pode", sobre as coisas das quais o o cristianismo discorda da filosofia passada por JK Rowling em seus livros (e são muitas coisas e sim, os livros têm uma mensagem a passar, assim como qualquer bom livro de fantasia de um bom escritor - vide C.S. Lewis, com seu cristianismo em "As Crônicas de Narnia" ou Phillip Pullman com seu ateísmo espírita em "Fronteiras do Universo").

Quero falar sobre uma transição na minha vida que pode ser ilustrada através desse contraste, então, senta que lá vem história...

Eu fui um adolescente potterhead, nome que se dá aos fãs de Harry Potter que leram e assistiram tudo, e sabem de tudo sobre a série (no meu caso, sabia). Pergunte a qualquer potterhead... Sério, qualquer um. Todos eles desejaram que sua carta de aceitação na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts chegasse. Alguns chegaram a prestar atenção nas corujas que pousavam nos muros de casa. J.K. Rowling criou um mundo que ultrapassa todos os limites aceitáveis do cativante. A construção dos seus personagens é tão bem feita que qualquer criança e adolescente na faixa etária dos protagonistas poderia se identificar. Além disso, todas as tendências escapistas da imaginação fértil adolescente são elevadas ao nível extremo.
Afinal, quem não queria fazer parte de um mundo tão fantástico? As crianças abririam mão dos seus computadores para ter uma varinha mágica que atendesse à sua ordem. Bastava dizer "Vingardium Leviosa" com os movimentos certos da varinha pra fazer levitar objetos, um "Alohomora" abriria qualquer porta que não tivesse proteção contra feitiços, "Accio" pode trazer qualquer um dos seus livros da estante ou a comida da geladeira.

Eu vivi por anos nesse mundo e de uma forma bem escapista. Não tinha só os livros e os filmes. Eu lia matérias de revista, livros que falavam sobre os livros... Mais do que isso, como sempre gostei de escrever, cheguei a iniciar várias fan-fics (histórias que fãs criam baseadas no universo dos livros já existentes). Mas chega um momento da sua vida que você começa a enxergar que o escapismo é como uma droga: te dá alívio imediato e momentâneo, mas torna a realidade chata e te tira dela de tal forma que seu julgamento e sensatez te tornam pouco confiáveis na hora de tomar decisões sérias (Tenho amigos que tomaram decisões importantes de vida, em pontos importantíssimos, baseados no que leram e aprenderam em Harry Potter). Livros relevantes e realistas perdem o encanto quando mergulhamos de cabeça nesse mundo. E claro, isso acaba acontecendo com a Bíblia também, se você não tomar cuidado.

Quando amadureci um pouco mais e fui para a faculdade, meu escapismo adolescente transformou-se em um desejo de escrever uma ótima saga de fantasia que se tornasse pelo menos conhecida - não precisava ser um Harry Potter ou um Percy Jackson da vida. Cheguei a escrever o início de diversas sagas interessantes e super comerciais.
Tinha também o desejo de continuar na minha carreira de designer gráfico.
Essas coisas vão mudando e amadurecendo com o tempo, se tornando menos desejos e mais objetivos, menos românticos e mais profissionais. Mas eles ainda permaneciam lá, como planos agora.

Eu sempre fui bem participante das coisas da igreja, mas nos últimos quatro anos, isso se intensificou. Eu não estava só mais ativo na igreja, como minha vida social se tornou bem mais saudável. Meus melhores dias passaram a ser os sábados dedicados à causa de Deus, e durante a semana, todas as outras coisas da minha vida passaram a ser pautadas pela minha experiência com Ele. Comecei a ter essa mania (que é irritante para alguns dos meus amigos) de colocar Jesus em todas as minhas conversas, pois à medida em que eu comecei a entender na prática tudo o que eu havia aprendido na teoria durante toda a minha vida, eu entendi por que a Bíblia e a filosofia cristã são opostos ao escapismo, ao contrário do que muitos céticos julgam.

Deus não tem escapismo ou romantismo para oferecer. Ele não tem respostas fáceis, nem feitiços. Seus milagres só acontecem quando tem um propósito específico. Seu objetivo é mostrar seu amor de forma completamente não manipuladora.
E foi dessa forma que Ele me mostrou que queria que eu trocasse todo esse lance de magia pela realidade nua e crua da forma como o Universo funciona.

Uma vez uma amiga me disse o seguinte: "Se eu tivesse condições, eu largaria meu emprego e viveria só pela obra". Isso ficou na minha mente. Mas eu ainda não pensava em fazer teologia.
Então meu amigo Breno, que era pastor jovem da minha igreja na época, me trouxe ao EJUC aqui do Unasp em 2013. Tive um encontro real com Cristo de uma forma incrível nesse programa - infelizmente não posso entrar em detalhes a esse respeito.

No mesmo ano, este mesmo Breno me soltou: "Por que você não faz Teologia?"
E a partir daí tudo começou a ficar mais e mais óbvio, mais e mais forte. Minha primeira reação foi ajoelhar e dizer pra Deus que - sinta a ousadia do pobre pecador - eu não queria saber disso, portanto não oraria a respeito. Mas Ele continuou me cutucando - e com seus dedos gigantes, a cutucada de Deus pode ser dolorida de vez em quando.
Então resolvi enumerar pra Ele todos os motivos pelos quais eu não poderia fazer teologia e não serviria pra ser pastor. A resposta foi: "Então o Senhor disse a Abrão: 'Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei.' " (Gênesis 12:1).

O ministério musical do qual fazia parte, o InVocal - um grupo vocal misto - me ajudou a entender o que era ministério e como a batalha espiritual se torna pesada quando você assume um ministério. Quando disse pra Deus que não saberia lidar com o sobrenatural, eu passei por experiências muito tensas com coisas sobrenaturais, que eu prefiro não comentar aqui para não expor ninguém. Só dá pra dizer que tive experiências muito fortes com forças espirituais que me fizeram acreditar que sim, o sobrenatural existe, anjos e demônios são reais. E eu tenho certeza que a matéria de "Defesa Contra as Artes das Trevas" de Hogwarts não poderiam me ajudar com isso.

De várias vezes que fiz o teste de dons da minha igreja, as duas últimas do nada resolveram aparecer com o dom do pastorado - no qual eu tinha pontuações baixíssimas nos testes anteriores.
Quando fui consultar amigos meus - cristãos e não cristãos - sobre o assunto, eu esperava que eles me dissessem que eu era louco por estar pensando na possibilidade. TODOS disseram que era a minha cara fazer teologia. E eu pensava: "Nãaao, não é isso que eu queria que vocês dissessem."

Fiz o vestibular para Teologia do Unasp sem estudar e cinco anos depois de formado no ensino médio. Passei.
Então eu já tinha aceitado a ideia, embora ainda tivesse algumas resistências. Então tudo começou a se encaminhar de forma tão fluida e impossível aos meus olhos, que não pude deixar de ter certeza que realmente tinha recebido o que costumamos dizer que é um chamado, e comecei a não me imaginar fazendo outra coisa se não trabalhando pra Deus.

Agora, meu primeiro ano de teologia está acabando e eu posso dizer que, por mais que tenha passado por algumas dificuldades de adaptação, por mais que as vezes pareça árduo demais o processo de ser bolsista e estudante ao mesmo tempo, por mais que eu tenha feito metodologia de pesquisa pela segunda vez na vida, eu estou no lugar em que eu deveria estar.
Aprendi muito, muito mesmo sobre a vida fazendo um curso de comunicação numa faculdade secular, aprendi muito morando numa capital movimentada e plural como Belo Horizonte, aprendi muito morando sozinho e tendo que me sustentar, aprendi muito sendo atuante na Igreja.

Mas agora é hora de aprender outras coisas sobre a vida - como voltar a morar com outras pessoas, ter colegas de quartos, viver sob regras, aprender a gostar dos professores Lupin da vida e lidar com as Dolores Umbridges. Coisas que eu não aprenderia se eu não tivesse me desapegado da vã esperança de receber uma carta de Hogwarts.
A série Harry Potter foi construída de modo que acompanhasse o crescimento da geração na qual foi lançada, os livros vão amadurecendo e introduzindo temas mais pesados, até que, quando Hogwarts é destruída no último livro, J. K. Rowling está dizendo para seus leitores que uma próxima geração é que desejará estar lá quando ela for reconstruída. Uma jornada chega ao fim e todos os seus sonhos de infância são substituídos por responsabilidades pesadas e que muitas vezes você não consegue carregar sozinho, dependendo apenas de instrumentos que só podem te dar alívio imediato, como as Relíquias da Morte, mas acabarão por te consumir até você morrer por essas responsabilidades.

Um dos muitos motivos pelos quais eu creio na Bíblia é justamente o fato de que ela não esconde a realidade nua e crua da humanidade em nenhum momento. Ela mostra a humanidade como ela é e mostra a santidade de Deus em contraste com a sujeira da humanidade caída e separada dEle. Mas mostra também a misericórdia de Deus em encontro com a necessidade de uma humanidade amada por Ele.
E isso se torna ainda mais encantador quando você começa a estudar e pesquisar de forma tão profunda sobre os processos como a Bíblia chegou ao que conhecemos hoje, e acaba que a História da Magia começa a parecer desinteressante diante da história real do Cristianismo, a aula de Feitiços parece chata quando você traduz Hebraico (e olha que o Dicionário e o Léxico de Hebraico que eu tenho parecem mesmo livros de feitiços rs), Defesa Contra as Artes das Trevas parece idiota quando se estuda a forma como Deus age em favor da humanidade ao estudar-se o Antigo Testamento. E no fim das contas, meu Mestre e Guia não vai fazer o Dumbledore e me criar pra que no final eu tenha que me sacrificar pra que o Inimigo morra. Ele já fez esse sacrifício por mim.
Agora eu anseio pelos próximos anos e pelas próximas matérias, pois quanto mais se estuda a Bíblia, mais se quer aprender sobre ela.

E não há escapismo que me ofereça a oportunidade única de compreender o mundo em que vivemos sob uma ótica tão rica, tão livre de demagogias e cheia de nuances fascinantes como é estudar o mundo sob a cosmovisão judaico-cristã apresentada na Bíblia.

Meu futuro ainda é incerto. Não sei o que vai acontecer daqui pra frente, embora eu espere que Jesus volte mesmo antes de eu terminar a faculdade. De um jeito ou de outro, Ele já me provou durante todo esse processo que eu posso confiar nEle e me refugiar nEle, livre de escapismos e vãs esperanças.

Unasp Campus Engenheiro Coelho

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O mais antigo disco musical adventista conhecido é de música negra

A Representação do Negro na Revista Nosso Amiguinho - Parte 3 - Cazuza e Seus Amigos